Escreveu: Francisco Alves Cardoso
Uma lenda antiga narrada pelos nossos antepassados fala da criação da fogueira, que com o passar dos tempos ficou sendo chamada fogueira de São João. Diz a lenda que Maria foi visitar Izabel, sua prima, que morava um pouco distante e num local serrano. Naquele tempo não tinha qualquer meio de comunicação para transmitir avisos. Izabel estava grávida e quando a criança nascesse teria que avisar à prima. Criou um meio de comunicação e disse a Maria: “quando o menino nascer mando acender uma fogueira, e quando ver o clarão, já sabe, o menino veio ao mundo”. E assim foi feito, quando Izabel deu à luz avisou a Maria, através do clarão da fogueira. Com essa narrativa ficou criada a fogueira. O nome escolhido para o menino foi João, que mais tarde foi canonizado pela Igreja Católica e hoje é reverenciado no mundo inteiro.
Luiz Gonzaga, no seu cancioneiro inesquecível cantou e exaltou a fogueira e as festas de São João. Em tempos não longínquos, os festejos juninos eram reais, faziam a história com respeito às tradições. No ano de 1954, Gonzaga juntamente com Zé Dantas lançou “Noites Brasileiras”, a letra que narra integralmente às noites de São João no Nordeste e nos sertões: “Ai que saudades eu sinto, das noites de São João, das noites tão brasileiras, nas fogueiras, sob o luar do sertão. Meninos brincando de roda, velhos soltando balão, moços em volta a fogueira, brincando com o coração. Eita São João dos meus sonhos, eita saudoso sertão, ai ai”.
Além de enaltecer as festas de um dos santos mais populares da Igreja Católica, Gonzaga declarou as saudades que estava sentindo do seu sertão nordestino, lá do sul do país. E parece até que já previa o fim de uma tradição tão antiga, tão bonita e hoje abandonada pelos novos costumes.
Trocaram tudo, mataram as grandiosas festas juninas, esqueceram o musical do Rei do Baião. Hoje tudo é diferente, as festas de São João são animadas pelo axé da Bahia, os mesmos ritmos do carnaval, outra festa que foi totalmente absorvida pelos costumes baianos. As fogueiras foram proibidas, os festejos são censurados, as músicas legítimas foram expulsas do calendário junino e o tradicionalismo foi sepultado por outros ritmos que nada têm de perecidos com a outrora mais tradicional festa do nordestino.
Luiz Gonzaga criou uma escola de organização e manifestação legítima das festas sãojoaninas. Em 1950, também com Zé Dantas, ele lançou “A dança da moda”, anunciando que “no meio da rua inda é baião, inda é fogueira, é fogo de vista, mas dentro da pista o povo só dança e só pede o baião”.
E através do famoso cancioneiro deita e rola a sua sabedoria na defesa dos costumes e tradições nordestinas. Com Rosil Cavalcanti, em 1974 lança “A festa do milho”, e diz que “...já todo embonecado prontinho para São João”. E fala de Santo Antônio e de São Pedro. Lança mais uma série de músicas bem nordestinas exaltando o modelo do São João verdadeiro, que foi esquecido e trocado por um musical exibido em todas as festas do ano, sem compromisso com a manutenção do tradicionalismo.
Com o seu vozeirão cantou: “A noite é de São João, Dia de São João, É noite de São João, Festa de Santo Antonio, Fogo sem fuzil, Fogueira de São João, Lenda de São João, Madruceu o milho, Olha pro Céu, Pedido a São João, São João antigo, São João Chegou, São João do Carneirinho, São João na Roça, São João nas Capitá, São João do Arraiá, São João sem futrica”.
O Rei do Baião lançou oficialmente o modelo das festas juninas, na sua música “São João antigo”, em 1957, com o extraordinário Zé Dantas. Disse que “Era festa de alegria, tinha tanta poesia, tinha mais animação, mais amor, mais devoção”. E continuou a defesa pelo nosso tradicionalismo “nas ribeiras do sertão, onde dizem que a fogueira inda aquece o coração”.
Não posso deixar de protestar contra os que estão acabando as tradições das festas juninas. O nosso ritmo não pode acabar. Ele é cultura viva, e a cultura nunca poderá perder os seus caminhos originais.
Que criem outros festejos, com a cultura do momento, mas a original, dos tempos dos nossos antepassados deve ser mantida.
A juventude tem todo o direito de criar a sua nova dança, e também os costumes do tempo atual, mas não pode, em qualquer hipótese, excluir as belezas que originaram essa cultura bela tão bem defendida por Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Marines, Zé Dantas, Trio Nordestino, Humberto Teixeira, José Marcolino, Guio de Morais, Patativa do Assaré e outros.
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